Os livros de Tonan Quito
Os livros de Tonan Quito
Tonan Quito escolheu vários livros que orbitam à volta do espetáculo “A Quinta dos Animais”
A Quinta dos Animais, de George Orwell, tradução de Paulo Faria, ed. Antígona
Para se adaptar um texto tem de se começar por lê-lo. Várias vezes. Deixá-lo transformar-se em memória e referência. “A Quinta dos Animais”, sendo uma fábula, permite que um universo tipicamente “adulto”, como é o das relações de poder em contexto político, estabeleça pontes de compreensão com os mais novos. O que mais importa aqui sublinhar é o modo como os ideais nobres de uma revolução que busca a democracia e a igualdade, podem ser manipulados por discursos populistas, que traem a essência do propósito, aproveitando-se dele. E, afinal, isto estende-se a todos os campos relacionais… Basta que alguém se considere superior ao outro. Esse é o perigo.
O Vencedor, de Kjell Ringi, ed. Bruaá
Quando dois iguais se enfrentam cara a cara e se vão desafiando, subindo “a parada”, só de facto reconhecem o outro como seu semelhante se alguém ou alguma coisa pelo meio os ultrapassar. Kjell Ringi dispensa palavras para falar de tudo isto numa narrativa visual aparentemente simples que se debruça sobre a disputa do poder. Como também se nota em “A Quinta dos Animais”, a ambição desmedida é uma rasteira.
O Protesto, de Eduarda Lima, ed. Orfeu Negro
Este livro começa assim: “Tudo começou quando um pássaro deixou de cantar.” No espetáculo, tudo começa quando um porco toma a palavra. Tal como falar, calar pode ser uma forma de protesto, um ato político, capaz de mobilizar centenas de outros que sentem que algo não vai bem no mundo. Basta que a mensagem seja inspiradora e o protesto legítimo e partilhado.
Há classes sociais, de Equipo Plantel (texto) e Joan Negrescolor (ilustrações), ed. Orfeu Negro
“Todos os homens são iguais.”, diz-se aqui, logo na primeira página. Ao lermos a frase, é impossível não nos lembrarmos do grito revolucionário do porco Major: “Os animais são todos iguais.” Este livro da Equipo Plantel, criado em Espanha nos anos 70 do século XX, pouco depois da morte do ditador Franco, está integrado numa coleção que se chama “Livros para o amanhã”. Lendo-o, apercebemo-nos do mesmo que em “A quinta dos animais”: o amanhã nunca se chegou a concretizar plenamente, o amanhã pode trair-nos se cair nas mãos erradas e a luta pela igualdade nunca pode esmorecer.
O País das Pessoas de Pernas para o Ar, de Manuel António Pina (texto) e Marta Madureira (ilustrações), ed. Tcharan
Há várias histórias de Manuel António Pina sobre a importância da liberdade e o poder da imaginação para a conquistar. Neste conjunto de textos, interessaram-nos sobretudo as histórias “O Menino Jesus Não Quer Ser Deus” e “O Bolo e o Menino Jesus”, ambos narrativas sobre uma criança que, por ter nascido Jesus da Nazaré, não pôde, na verdade, ser criança. É contra isso que se revolta, é isso que o entristece: a impossibilidade de brincar, a impossibilidade de pecar; no fundo, a impossibilidade de ser humano e de ser igual aos seus semelhantes.