Mudam-se os tempos, recordam-se as vontades
Artistas com diferentes idades, diferentes abordagens ao desenho e diferentes reflexões políticas partilham o facto de, em algum ponto da sua infância ou juventude, terem tomado consciência da revolução de 25 Abril, sem que o tenham experienciado de forma direta. A sua reflexão parte então de histórias, e pedimos que nos contem a sua a partir de quem a ouviram, do que sentiram no passado e o que sentem hoje olhando o futuro.
A colher na Boca
tinta da china, lápis de cor e tratamento digital
Rui Vitorino Santos, 7 de Fevereiro de 1971
Não tenho nenhuma memória do 25 de Abril, tinha apenas três anos quando o povo saiu à rua. Três anos depois comecei a aprender a ler e a perceber que na biblioteca da escola alguns livros outrora fantasmas começaram a dizer – Presente!
Classic wildlife and contemporary conservation
colagem
Nelson Duarte, 22 de Fevereiro de 1988
O espaço em que nos movemos tem limites que a nossa experiência impõe e entendemos como uma continuação para o qual a passagem de um local para o outro implica todos os locais intermédios, mesmo que, cada vez mais frequentemente não tenhamos a experiência percetiva destes.
O sentido do espaço é portanto, uma percepção da realidade do “aqui e agora”. Pelo contrário, a mutação contínua e acompanha todas as acções em curso. Quero dizer, é como ver as dimensões do infinito e pensar numa melodia para sair de casa.
Guerra Civil
tinta da china sobre papel e tratamento digital
Bruno Borges, 24 de Setembro de 1976
https://www.instagram.com/bruno24976/
Apesar da apreensão generalizada sobre a eventualidade de uma guerra civil, creio que não houve da parte dos meus pais um grande envolvimento na situação política decorrente do golpe militar a 25 de Abril de 1976. Lembro-me, no entanto, de uma conversa sobre uma caçadeira que andava lá por casa…
Novo Dia
graphite e lápis de cor
Bruno Lisboa, 31 de Março de 1992
https://www.instagram.com/ohbrunolisboa/
Os cravos encontraram um caminho entre os muros opressores e sufocantes, um novo dia nasceu.
Dia de escola
técnica mista (marcadores e tratamento digital)
Inês Machado, 14 de Novembro de 1992
https://www.instagram.com/inessantosmachado/
“A história desta imagem é a história que o meu pai me contou. E foi com ela que ouvi falar da revolução pela primeira vez. Na história ele tinha 10 anos e eu devia ter a mesma idade quando a ouvi.
Na manhã de 25 de Abril, em Lisboa, o meu pai e o meu tio foram para a escola, a pé, como todos os dias. A escola estava fechada, e, sem saberem nada acerca do que se estava a passar, voltaram para casa. A rua estava deserta, havia apenas alguma estranha movimentação de carros militares. A tarde foi passada em casa com a família, à volta da televisão e do rádio, a ouvir as notícias com muita curiosidade e entusiasmo.
Neste Abril as escolas também estão fechadas e as crianças não têm mais a liberdade que tinham o meu pai e o meu tio, que brincavam na rua com os vizinhos e percorriam o bairro à vontade. Quando voltarmos a poder sair de casa, anseio que a liberdade da cidade nos possa ser devolvida. Anseio também que as crianças possam voltar a percorrer a cidade, sem muros ou sem medos.”
fala-me de cravos
aguarela sobre papel
Lourenço Providência, 27 de Maio de 1996
https://www.instagram.com/lourencoprovidencia/
“Lembro-me em criança dos meus professores e pais me falarem sobre a Revolução dos Cravos e isso me fascinar, mais do que o que tinha acontecido politicamente e socialmente eu ficava sempre cativado com a ideia de se fazer uma revolução sem tiros e pedras mas com cravos.”
Sair à rua e gritar!
lápis e tratamento digital
André Ruivo, 5 de Outubro de 1977
instagram.com/ruivo.andre
“Sair à rua e gritar!” tem que ver com uma vontade de sair de casa para a rua e falar com toda a gente, dar notícias nossas (isto porque passo muito tempo em casa).
Sem título
lápis de cor e manipulação digital
Ema Gaspar, 12 de Dezembro de 1993
www.instagram.com/ema_b_g.
“Não querendo comparar o incomparável, tenho pensado na “ironia” que é festejar a liberdade do 25 de abril este ano com a condicionante de não poder sair de casa. Se em 1974 se conseguiu unidade por estarmos juntos fisicamente, agora para a conseguimos teremos de estar afastados.”
Sem título
desenho digital
Júlio Dolbeth, 28 de Julho de 1973
www.juliodolbeth.com
“Nasci aproximadamente nove meses antes da revolução. Naquela altura não tinha consciência que aquele momento iria marcar toda a minha vida.
Ao legado que a geração dos meu pais me deixou, de liberdade, de poder pensar e exprimir-me sem repressão, expresso uma gratidão infinita.
A minha ilustração remete para uma estátua, um monumento à pessoa coletiva que lutou para sermos livres.
Usei o símbolo maior da revolução, o cravo como mensagem poética, como metáfora da nossa ligação à terra, às raízes e ao calor humano.”
Arrepio
guache
Bárbara Gabriela, 13 de Janeiro de 1993
https://www.instagram.com/ceramicaloba/
“O meu avô contou-me que a mãe dele, que estava muito preocupada, ligou-lhe a dizer: “Não saias de casa, há uma revolução a acontecer na rua!” mas o meu avô não teve medo e naquela manhã saiu na mesma – sabe-se lá para onde. Não me lembro se ele me disse que nessa manhã se fazia fria e ventosa ou se tirei essa memória das músicas, mas sei que fiquei arrepiada.
Cada vez que me recordava e imaginava o que poderá ter sido ficava com os pêlos dos braços e das pernas em pé, na minha barriga formava-se uma bola gigante e na minha garganta ficava como se tivesse engolido uma bola de pêlo de gato. Imaginava o frio dessa manhã, e os pássaros a voar a enfrentar o vento a observar de cima as armas e os cravos e o barulho do turbilhão.”
Senhora Presidenta
A galeria Senhora Presidenta é um projecto de Dylan Silva (pintor), Mariana Malhão (ilustradora) e Luís Cepa (designer). Colegas desde a Faculdade de Belas Artes do Porto, vieram a partilhar uma vontade comum em pensar um espaço híbrido capaz de albergar simultaneamente produção e exposição de trabalhos no meio artístico. Na Presidenta podem ser encontrados trabalhos de diferentes tipologias: desde a cerâmica à ilustração, passando pela pintura, fotografia, desenho, vídeo e publicação independente.