Os livros de Um Poeta em Forma de Assim: visita guiada à cabeça de Alexandre O’Neill
Os livros de Um Poeta em Forma de Assim: visita guiada à cabeça de Alexandre O’Neill
Luís Leal Miranda, autor desta peça, escolheu cinco livros que lhe vieram à cabeça, lhe vieram parar às mãos ou que lhe apareceram em sonhos durante a escrita de Um Poeta em Forma de Assim: visita guiada à cabeça de Alexandre O’Neill.
Feira Cabisbaixa, de Alexandre O’Neill, ed. Relógio d’Água
Esta Biblioteca do Público podia ter cinco livros de Alexandre O’Neill. Ou podia ter uma das antologias. Mas e o peso? E as nossas costas? Isto é uma biblioteca, não é um ginásio. Por isso, escolhemos “Feira Cabisbaixa”, um livro mais portátil, editado pela primeira vez em 1965, e que é uma excelente porta de entrada para a cabeça de O’Neill. Contém alguns dos seus poemas mais emblemáticos (“Portugal”, “Caixadóculos” ou “Autocrítica”) e é um bom exemplo do estilo e das manias do autor: há poemas sobre cães, gatos e grilos? Há. Há lamentos sobre o azar de nascer português? Há. Há poemas gráficos, com letras que saltam? Há. Há o primeiro – e talvez único – poema em português sobre “pernas como trambolhos”? Ah, pois há.
Museu do Pensamento, de Joana Bértholo com ilustrações de Pedro Semeano e Susana Diniz, ed. Caminho
Já repararam que somos apenas um monte de carne e ossos, que tem de obedecer cegamente aos caprichos do nosso cérebro? Quem está a escrever estas palavras, está a fazer-lhe a vontade. E vocês, que estão a ler isto, estão a pensar sem parar. Mas o que é que se passa dentro da nossa cabeça? Este livro, escrito por Joana Bértholo e ilustrado por Pedro Semeano e Susana Diniz, é uma divertida espreitadela para aquilo que está atrás dos nossos olhos – ou debaixo dos nossos chapéus. Neste Museu do Pensamento encontramos mais perguntas do que respostas, mas vamos pensar nos pontos de interrogação como anzois tipográficos que usamos para ir à pesca de ideias e revelações.
Desdicionário da Língua Portuguesa, de Luís Leal Miranda, ed. Stolen Books
Inventar palavras é um passatempo ao alcance de todos. E uma ótima maneira de um escritor criar a sua própria matéria-prima. Alexandre O’Neill, insatisfeito com o léxico à sua disposição, criou os seus próprios verbos, como “bicicletar”, os seus prórios adjetivos, como “pestanítidos”, e os seus próprios substantivos, como “libertinura”. Este Desdicionário da Língua Portuguesa dá seguimento à tradição oneilliana de enriquecimento ilícito da língua portuguesa: introduz mais de 200 palavras que, se não fossem inventadas, tinham de existir. Editado em 2018, o Desdicionário foi escrito por Luís Leal Miranda, que também escreveu a peça “Um Poeta em Forma de Assim” e também escreveu este texto que estão a ler agora. Digam “olá, Luís!”. Olá!
Perdi-me no Museu Porque…, de Davide Calì e Benjamin Chaud, ed. Orfeu Negro
Um bom livro infantil vai para além do óbvio. Mas os livros de David Calì, ilustrados por Benjamin Chaud, vão para além desse óbvio e dos outros óbvios seguintes. Fazem uma espécie de 100m barreiras de óbvios. O resultado é sempre surpreendente, como neste “Perdi-me no Museu Porque…”, uma aventura para a qual o adjetivo “rocambolesca” parece ter sido inventado.
Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll, versão Walt Disney, ed. Misericórdia do Porto – Centro Professor Albuquerque e Castro
Em 1865 o escritor inglês Lewis Carroll esticou a sua imaginação o máximo que conseguiu e usou-a como trampolim. Graças a ele, saltaram-se ideias feitas, convenções e regras: os enredos podiam ser mais flexíveis, as personagens podiam ser mais estranhas, os cenários mais bizarros. Essa elasticidade contagiou leitores, autores e artistas. Influenciou o movimento surrealista, que por sua vez influenciou Alexandre O’Neill, que por sua vez nos influenciou a nós. E sabe-se lá que mais saltos vai dar. É um excelente livro-trampolim. Nesta versão em Braille, apresentamos a interpretação de Walt Disney que popularizou a história e nos mostrou o que acontece quando perseguimos coelhos com problemas de pontualidade.
(novembro de 2024)