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Livros espetaculares (mesmo!) para Hamlet sou eu

Sara Amado
Fotografia de cena

Os livros espetaculares que escolhi para acompanharem esta peça são os que pensei poderem ajudar-nos a redimi-la. Porque quem não gostaria de mudar o fim a esta história? Afinal, a princesa podia ter sido feliz e os fantasmas podem despertar desejos bonitos, não? A resposta à grande questão (palavra que aparece 17 vezes nesta peça de mais de 4 mil linhas!) temos de a procurar durante toda a vida. Eu sou, eu sei! Enfim, se o Hamlet tivesse preenchido a última página do «Hoje sinto-me…», talvez este drama tivesse sido um romance e não uma tragédia. Porque uma cova pode ser uma enorme metáfora, mas também pode ser só um buraco para escavar. E, convenhamos, se as personagens controlassem as fúrias numa viagem mental até ao país onde vivem os monstros, como fez Max, e se percebessem a tempo, como o Guilherme, que o poder é ilusório, bem, nesse caso, talvez não tivéssemos o privilégio de conhecer esta estranha história… Hamlet sou eu, és tu, somos todos um pouco. Ele, o herói e o vilão, de quem dizem ser o «herói ocidental da consciência». Afinal quem é Hamlet? Quem sou eu?

 

Fim? Isto não acaba assim

Comecemos pelo fim. Sim, a primeira coisa que me apetece mudar aqui é o final desta história. Quero ser a «reparadora de finais» desta história. Aposto que já vos aconteceu com outras histórias que acabam na melhor parte ou da pior maneira, como esta. Vamos a isso?

 

A Rainha do Norte

Pobre Ofélia, apaixonada, órfã, louca e morta? Não! Tivesse sido Hamlet um monarca mais parecido com o Rei Mouro deste livro e Ofélia teria conseguido ter o «… e viveram felizes para sempre», como qualquer outra princesa, não acham? Que a alegria é uma escolha e, como dizia o Almada, a coisa mais séria do mundo!

 

A Ilha do Avô

O fantasma do pai aparece a Hamlet e desperta nele sentimentos de vingança. Servida quente ou fria, não é prato que mereça estar nesta ementa. Cid e o Avô também se encontram numa floresta, por trás duma porta misteriosa, e Cid também tem saudades do avô, como Hamlet tem do pai. Só que Cid não atravessa um luto hesitante (como chama Harold Bloom, um estudioso de Shakespeare, ao luto de Hamlet); antes faz uma viagem difícil, sim, mas com um final, ainda assim, feliz.

 

A grande questão

A deixa mais famosa de Hamlet é «Ser ou não ser, eis a questão». Dizem os entendidos que Shakespeare andou às voltas com a palavra questão nesta peça. A vida é uma constante pergunta e, por vezes, como o pato, não fazemos ideia de como lhe responder. E tu que dizes: porque estás aqui na Terra?

 

Eu sou Eu sei

«Palavras, palavras, palavras» — outra deixa famosa desta peça. Eu sou Eu sei são só palavras ou não? Este livro em que se brinca com as palavras, quando lido com Hamlet na cabeça, passa a ser sobre Hamlet. Ora experimentem: Eu sou, eu sei, eu dou, eu rei, eu com, eu sem, eu vou, eu nem, eu vim, eu vi, eu fiz, eu quis. Que tal? Um bom resumo?

 

Hoje sinto-me…

Hamlet está muitas vezes pensativo, inquieto, confuso. Às vezes, é mesmo difícil perceber o que estamos a sentir. Uns dias, nem pensamos nisso, porque estamos bem e pronto; mas, quando alguma coisa está mal, ficamos com uma espécie de linhas baralhadas na barriga. Bem, às vezes, quando estamos muito bem, também ficamos com cócegas na barriga, não é? Isto é mesmo confuso…

 

Uma cova é para escavar

Os coveiros que escavam a sepultura para Ofélia mais parecem dois filósofos. Temos, muitas vezes, tendência para complicar o simples, embaciar o óbvio. Uma cova, por exemplo, pode ser um buraco feito pela nave de um extraterrestre ou até a entrada de um túnel para o centro da Terra. Mas também pode ser só um buraco para escavar ou para ser tapado, pronto.

 

Onde vivem os monstros

Uma fúria, toda a gente tem. A questão é como resolvê-la. Andar por aí à punhalada não parece ser uma grande ideia. A mãe de Max mandou-o para o quarto de castigo e ele fez uma grande viagem ao país onde vivem os monstros. Não sei bem onde fica esse país, talvez seja de fronteiras indefinidas, mas, se algum dia tiveres de lá ir, com certeza encontrarás o caminho de volta (que é o mais importante).

 

Este alce é meu

A sede do trono, do poder, na história de Hamlet é o motor que desencadeia a tragédia. Alguém quis alguma coisa a todo o custo, a qualquer preço. Guilherme achou que tinha um alce. Deu-lhe um nome e tudo. Só que uma velhinha também achava o mesmo. O alce tinha dois nomes agora (e provavelmente uma questão de identidade, pobre criatura…). Guilherme achava imensa coisa, tinha muitas regras e ainda mais certezas. Mas a coisa só começou a correr bem quando ele percebeu que talvez o alce nunca tivesse sido verdadeiramente seu. Tivesse o nosso príncipe Hamlet aprendido isso a tempo…

 

Fotografia: LU.CA/Alípio Padilha